quinta-feira, 29 de julho de 2010

Casamento de homossexuais

Com a oficialização do casamento gay na Argentina, o assunto incendiou as opiniões aqui no Brasil. Tenho lido, ouvido e assistido debates sensacionais sobre o tema. E não vou deixar de meter minha colher de pau neste angu de caroço. Então aqui estou. O que mais me chamou a atenção foi a clara divergência entre religião e direito. O eterno conflito.

Os religiosos, de um modo geral, não aceitam a união entre indivíduos do mesmo sexo. Seus argumentos são bem fundamentados e se baseiam num princípio elementar, qual seja, de que o poder divino só admite casamento entre um homem e uma mulher. Psicólogos, psiquiatras e juristas, por sua vez, argumentam com muita razão, diga-se de passagem, que está em discussão não o casamento religioso, mas o civil.

É claro que se eu vim até aqui foi para dar a minha opinião. De cara, já digo que eu também acho que não se deve misturar religião com direito, em que pese este tenha seus fundamentos básicos em princípios religiosos; proteção à vida, à integridade física das pessoas e de seus patrimônios, dentre outros. Mas é impossível o direito do homem conviver em harmonia plena com o divino, uma vez que, chega num determinado ponto, as divindades dão mais importância ao espírito e à vida após a morte, enquanto o direito dos homens tem como prioridade o homem natural. Nesta vida efêmera e fugaz.

De forma que as religiões devem regrar os casamentos religiosos, dentro de seus dogmas. Por coerência, fica com direito dos homens a elaboração de leis que regulem os casamentos civis. Tem um detalhe, porém, da maior relevância. É que o direito se fundamenta em princípios religiosos, mas também, e principalmente, em leis naturais. O direito copia a natureza. Veja, por exemplo, no caso de separações de casais, como a justiça prioriza que os filhos fiquem com a mãe. E por que? Porque na natureza os filhotes são cuidados pela fêmea. Simples, não? Nesta linha de raciocínio concluímos que o direito do homem, imitando a natureza, só reconhece o casamento entre um homem e uma mulher, eis que, na natureza, o acasalamento, com o objetivo de procriar, ocorre sempre entre um macho e uma fêmea.

Se olharmos para os lados, bem perto de nós, haveremos de constatar que até mesmo o casamento entre homem e mulher está se terminando. Muitas pessoas, com acerto, já nem casam mais, simplesmente convivem em união estável, onde já estão regulados por lei os direitos e obrigações de cada convivente. Ora, se o próprio casamento convencional está em extinção, por que inventar agora um casamento mais complexo, como o entre homossexuais? Neste caso, nada deve impedir que eles tenham uma convivência afetiva, regulando a lei os direitos e obrigação de cada parceiro, como se fosse uma sociedade de fato, aliás, como já acontecia antes com homem e mulher não casados.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Doce pecado

O que sou eu? O que és tu? Não estou perguntando “quem” sou, ou és, pois esta indagação estaria se referindo ao aspecto subjetivo de cada um. Algo assim como personalidade, caráter, alma ou espírito. Não. Nada disso. Se bem que, mais adiante, não poderei evitar a abordagem desta condição.
Eu iniciei com a pergunta o “que” para te convidar a refletir comigo sobre a nossa definição em relação a todo esse infinito número de elementos que existem no universo. Montando uma linha de raciocínio lógico, constato que pertencemos ao mundo animal, eis que temos características físicas semelhantes. O que nos diferencia é a razão, daí pertencermos ao grupo dos racionais e os demais, coitadinhos, aos irracionais.
Todos os animais nasceram para ser livres, vivendo em harmonia com a natureza. Só que a coisa não funciona assim. A razão ou inteligência, que é a mesma coisa, é uma força poderosíssima. É com o uso dela que nós humanos dominamos os irracionais, deixando uns livres, outros não, e alguns até matamos, para nos alimentar. Tu já pensaste se surgisse no universo, de uma hora para outra, outro bicho mais inteligente do que nós? Quá! Quá! Aí os dominados seríamos nós.
De forma que aquela liberdade plena prevista pela natureza aos animais não acontece, uma vez que eles são escravizados pelo homem. Este sim é livre, pois tem a inteligência para se auto-administrar, não é isso? Isso o cacete! Deveria ser, mas não é. A partir do momento em que passou a conviver em grupo, ou sociedade, se preferires, o homem descobriu uma característica sua que o impede de ser totalmente livre; a imperfeição. Por sermos imperfeitos, temos a maldade em nossas mentes e corações.
Por isso a civilização precisou criar regras de convivência, que são as leis, sob pena da vida em comunidade se tornar impossível. Aí depois vieram as religiões, cada uma criando suas próprias regras, ou dogmas, as quais, dizem, se não forem observadas, o cara não chegará ao reino dos céus. Isto é, o céu de cada uma. Quando alguém infringe as regras dos homens comete um crime e quando das religiões um pecado. Às vezes os dois. E aí, então, foi-se a nossa liberdade plena. Somos escravos das convenções humanas e espirituais. Os nossos sonhos e desejos ficaram limitados.
Um detalhe que só os hipócritas não querem reconhecer é que nenhum ser humano consegue viver rigorosamente, a vida toda, dentro das leis ou dogmas. Não estou falando do criminoso ou do pecador nato, mas de mim e de ti; os “normais”. Quem de nós alguma vez não cometeu um deslize, ou um pecado? Um doce pecado. Não vale mentir. É da natureza humana. Ainda bem que existe o perdão. Lembras da frase: “Quem nunca pecou atira a primeira pedra”? O que todos temos que saber é quais são os limites da tolerância.

sábado, 3 de julho de 2010

O Exército de Lúcifer

Na manhã seguinte à morte do escritor português José Saramago, ocorrida em 18 de junho passado, eu entrava no banho, como de hábito, acompanhado do meu fiel radinho de pilha. Era um dia frio e o chuveiro eu ligara antes pra água esquentar bem, que não sou bobo. Na ocasião, procurei sintonizar uma emissora que costumo ouvir, porém, enquanto a procurava parei noutra rádio, pois um locutor anunciava a morte do renomado escritor. Fiquei ali, só pra ver o que dava. Lida a notícia, entrou no ar uma segunda pessoa, que era a que comentava os fatos.

Não identifiquei a rádio, eis que havia muito vapor dentro do “box”, mas vi logo que se tratava de uma dessas, ou o programa em si, pertencente a uma igreja. E já vais saber por que. Eu, na minha ingenuidade, esperava que ele viesse dizer quem foi Saramago. Comentasse suas obras, ou falasse da sua biografia ou dissesse aos ouvintes que tipo de homem ele era, o que pensava. Mas nada disso fez, o que frustrou a mim e, certamente, inúmeros ouvintes. Limitou-se a dizer: “Este já foi tarde, porque pertencia ao Exército de Lúcifer”.

Fiquei estarrecido com o que ouvi. Em primeiro lugar, porque eu confesso a minha ignorância, em não saber que exército é esse. Mas, presumo, ele quis dizer que Saramago tinha conluio com o diabo. Eu cheguei a esta conclusão porque sabia que o escritor luso era ateu. Não só era ateu, como tinha a coragem e a pureza de confessar que era. Agora... dizer que o homem tinha parte com o demônio, só porque expressou a sua opinião é lamentável.

Eu não aceito alguém rotular uma pessoa, com tanta maldade, só porque ela expressou a sua opinião. Veja-se, por exemplo, o caso deste escritor, um dos mais inteligentes que a humanidade já teve, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1998 e do Prêmio Camões, que é o mais importante de Portugal. Um gênio da literatura e da poesia universal. Nunca se soube de algum crime ou maldade cometida por ele. A não ser que o nobre comentarista ache que é crime não acreditar em Deus. Mas é um direito sagrado de cada um acreditar, ou não. E direito maior ainda a livre expressão do pensamento.

O que o referido comentarista, tão ortodoxo, deixou transparecer é que não tinha cultura suficiente para comentar as obras de Saramago, assim, partiu logo para o fanatismo. Simplificou e foi ridículo. Talvez ele tenha agradado pessoas fanáticas e despreparadas como ele. Eu gostaria que ele voltasse agora àquele microfone e dissesse tudo o que sabe a respeito do imortal escritor. Após, aí sim, poderia dizer que não concorda com a sua posição de ateu. E fundamentar porque não concorda. Ainda que nada saiba, que leia então algo a respeito de Saramago, cumprindo, assim, a sua missão de comunicador, que é levar cultura ao público. Jamais pregar o ódio religioso, que já fez tantas vítimas e cometeu tantas atrocidades no curso da história. Isto sim, todos religiosos e ateus têm a obrigação de saber.